Por: Dr. Aurélio Pimenta Dutra??As síndromes paraneoplásicas (SPNs) ocorrem exclusivamente, ou com maior frequência, na presença de uma doença maligna. Embora sejam raras, têm grande importância na prática clínica por se manifestarem antes do diagnóstico da neoplasia ou mesmo quando esta ainda apresenta pequeno tamanho, o que permite uma melhor abordagem e maior chance de cura. Algumas SPNs estão associadas a anticorpos contra antígenos neuronais (onconeurais ou antineuronais) expressos pelo tumor, os quais estão presentes e podem ser investigados no sangue (soro) e no liquido cefalorraquidiano. Grande parte dos pacientes com SNP e manifestação clínica no sistema nervoso central possui síntese intratecal desses anticorpos, o que corrobora a hipótese de haver uma resposta imune envolvida na patogênese dessas sídromes.
Os maiores avanços no controle e no diagnóstico das SPNs incluem a detecção de anticorpos antineuronais, a melhora na caracterização das principais síndromes e o uso da tomografia por emissão de pósitrons (PET) para o diagnóstico dos quadros clínicos em tumores iniciais. Além disso, a definição de um critério diagnóstico facilitou o reconhecimento precoce e o tratamento desses quadros.
Principais síndromes clínicas
Topografia
Clássicas
Não clássicas
Encéfalo, nervos cranianos e retina
Degeneração cerebelar
Encefalite límbica
Encefalomielite
Opsoclonus-mioclonus
Encefalite de tronco cerebral
Neurite óptica
Retinopatia associada a neoplasia
Retinopatia associada a melanoma
Medula espinhal
Síndrome stiff-person(indivíduo rígido)*
Mielite
Mielopatia necrosante
Síndromes do neurônio motor
Junção neuromuscular
Síndrome miastênica Lambert-Eaton
Miastenia gravis
Sistema nervoso periférico ou músculos
Neuropatia sensitiva
Pseudo-obstrução intestinal
Dermatomiosite
Neuropatia sensitiva motora
Neuropatia e paraproteinemia
Neuropatia com vasculite
Neuromiotonia adquirida
Polimiosite
Neuropatia autonômica
Miopatia aguda necrosante
*Encefalomielite com rigidez e mioclonia
Principais anticorpos antineuronais identificados e síndromes clínicas associadas
Anticorpo
Síndromes clínicas
Neoplasias associadas
A - Anticorpos antineuronais mais frequentes
Anti-Hu (ANNA-1)
Encefalomielite paraneoplásica (cortical, límbica, do tronco cerebral e mielite)
Degeneração cerebelar paraneoplásica
Disfunção autonômica
Neuropatia sensitiva paraneoplásica
Neoplasia pulmonar de pequenas células
Anti-Yo (PCA-1)
Degeneração cerebelar paraneoplásica
Câncer ginecológico e de mama
Anti-Ri (ANNA-2)
Encefalite de tronco cerebral paraneoplásica
Degeneração cerebelar paraneoplásica
Opsoclonus-mioclonus
Neoplasia pulmonar de pequenas células
Câncer ginecológico e de mama
Anti-CV2/CRMP-5
Encefalomielite paraneoplásica
Degeneração cerebelar paraneoplásica
Coreia, uveíte e neurite óptica
Neuropatia periférica
Neoplasia pulmonar de pequenas células
Timoma e outros
Antianfifisina
Síndrome Stiff-person
Encefalomielite paraneoplásica
Encefalite límbica
Mielopatia
Neoplasia pulmonar de pequenas células
Câncer de mama
Anti-Ma 1 e Anti-Ma 2
Encefalite límbica, hipotalâmica e de tronco cerebral
Tumores de células germinativas do testículo
Neoplasia pulmonar de não pequenas células
Outros tumores sólidos
B - Anticorpos antineuronais parcialmente caracterizados
Anti-Tr
Degeneração cerebelar paraneoplásica
Linfoma de Hodgkin
ANNA-3
Várias síndromes paraneoplásicas do SNC
Neoplasia pulmonar de pequenas células
PCA-2
C - Anticorpos antineuronais com ou sem neoplasia
Anti-VGKC
Encefalite límbica
Neuromiotonia adquirida
Timoma
Neoplasia pulmonar de pequenas células
Anti-VGCC
Síndrome miastênica Lambert-Eaton
Degeneração cerebelar paraneoplasica
Neoplasia pulmonar de pequenas células
Anti-AChR
Miastenia gravis
Timoma
Anti-nAChR
Disautonomia subaguda
Neoplasia pulmonar de pequenas células
Anti-GAD
Encefalite límbica e ataxia cerebelar
Síndrome Stiff-person
Timoma
Anticorpos incluídos nos painéis realizados no soro e no líquor Anticorpos pesquisados em um painel específico, realizado no soro* Anticorpos incluídos somente no painel realizado no soro*
O diagnóstico inicial das síndromes paraneoplásicas é direcionado para as síndromes clínicas clássicas em associação com anticorpos antineuronais ou com uma neoplasia identificada. Entretanto, nem todos pacientes têm quadro clínico clássico ou possuem anticorpos caracterizados. Assim, foram definidos critérios diagnósticos para as síndromes paraneoplásicas.
Síndrome paraneoplásica definida
1 - Síndrome clínica clássica com neoplasia diagnosticada até cinco anos após o início dos sintomas neurológicos
2 - Síndrome clínica não clássica que melhora após tratamento da neoplasia sem imunoterapia concomitante
3 - Síndrome clínica não clássica com neoplasia diagnosticada até cinco anos após o início dos sintomas neurológicos e anticorpos antineuronais positivos
4 - Síndrome clínica clássica ou não, sem diagnóstico de neoplasia, mas com anticorpos antineuronais positivos (antiHu, anti-Yo, anti-CV2/CRMP-5, anti-Ri, anti-Ma 2 ou antianfifisina).
Síndrome paraneoplásica possível
1 - Síndrome clínica clássica com alto risco de neoplasia, sem anticorpos antineuronais
2 - Síndrome clínica clássica ou não, sem diagnóstico de neoplasia, mas com anticorpos antineuronais parcialmente caracterizados
3 - Sindrome clínica não clássica com neoplasia diagnosticada até dois anos após o início dos sintomas neurológicos e sem anticorpos antineuronais
Considerando as principais síndromes clínicas, os pontos principais no diagnóstico das síndromes paraneoplásicas são a rápida instalação dos sintomas e sinais de inflamação no liquido cefalorraquidiano, que incluem pleocitose moderada com predomínio linfomonocitário, aumento de proteínas, aumento do índice de IgG e presença de bandas oligoclonais. As alterações da análise do liquor podem ser recorrentes, mas geralmente estão presentes nos três primeiros meses do quadro neurológico. Em cerca de 70% dos indivíduos com quadro sugestivo de síndrome paraneoplásica, os sintomas neurológicos são a principal manifestação da neoplasia. Desses sujeitos, de 70% a 80% terão diagnóstico da neoplasia com exames de imagem como tomografia de tórax, abdome e pelve ou com a utilização de PET. Os teratomas são mais bem avaliados com tomografia convencional, ressonância ou ultrassonografia pélvica e transvaginal. Neoplasias testiculares de células germinativas intratubulares podem não ser acessíveis pelos métodos atuais, o que requer a repetição da ultrassonografia e a investigação de microcalcificações e possível biópsia.
O objetivo da abordagem das síndromes paraneoplásicas é permitir o diagnóstico precoce da neoplasia, já que o tratamento do tumor é o principal tratamento do quadro neurológico para estabilizar o quadro clínico. As síndromes clínicas são inespecíficas e o diagnóstico diferencial da etiologia deve incluir a investigação das síndromes paraneoplásicas com a pesquisa de anticorpos antineuronais no soro ou no liquor. A detecção desses anticorpos por meio de uma pesquisa ampla por painéis permite o diagnóstico rápido e pode direcionar a conduta quanto à investigação e ao tratamento da neoplasia de base.
Fonte: http://www.fleury.com.br/
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