Por: Dr. Luiz Henrique M. Castro?O sistema de monitorização por vídeo-EEG é um recurso diagnóstico cada vez mais comumente empregado no diagnóstico de fenômenos paroxísticos em adultos e na faixa etária pediátrica. Ainda é um recurso pouco utilizado, pois muitos médicos não estão completamente familiarizados com suas indicações e, em parte, pela pouca disponibilidade desse recurso em muitos hospitais.
Seu emprego é particularmente útil em crianças, tanto para o diagnóstico diferencial de eventos paroxísticos quanto como método auxiliar no diagnóstico e no tratamento de epilepsia.
A unidade de monitorização por vídeo-EEG
O registro prolongado por vídeo-EEG consiste na monitorização contínua e sincronizada do traçado eletroencefalográfico e de vídeo.
A duração do exame varia para cada caso. Idealmente procura-se registrar todos os tipos de eventos que o paciente apresente clinicamente e em número suficiente para o objetivo diagnóstico. O ideal é que sejam registrados os eventos espontâneos que o paciente venha apresentando. Em algumas situações, podem também ser provocados eventos, quando existe um claro precipitante ou, no caso de crises não epilépticas psicogênicas (ver adiante), através de sugestão. No caso de crises epilépticas, um dos recursos que podem ser empregados é a retirada, parcial ou completa, das drogas antiepilépticas.
Os aparelhos atuais empregam tecnologia digital tanto para a imagem de vídeo quanto para o traçado eletroencefalográfico. Sistemas um pouco mais antigos empregam vídeo analógico e EEG digital. A grande vantagem do emprego de tecnologia digital para o EEG é a possibilidade de reformatação e análise do traçado em diversas montagens. Também podem ser utilizados diversos tipos de referência para análise, inclusive referências virtuais – combinação de dois ou mais eletrodos, referências promediadas –, além do emprego de diferentes parâmetros de filtros e amplificação, que podem ser ajustados de acordo com a necessidade do profissional que interpreta o exame.
Estações de aquisição e revisão
A maioria dos sistemas compõe-se de duas estações: uma de aquisição e outra de revisão. A estação de aquisição fica sob o cuidado do pessoal técnico e da enfermagem e a de revisão é manipulada pelo médico que interpreta o exame.
No quarto do paciente ficam a câmera de vídeo (registro de imagem), o microfone (registro sonoro), o cabeçote onde são conectados os eletrodos (colocados no couro cabeludo do paciente) para o registro do traçado do EEG e o botão sinalizador de eventos. Este último alerta a enfermagem da ocorrência de eventos e permite também que seja marcado no traçado a ocorrência do evento, facilitando o trabalho do profissional que vai interpretar o exame.
Por sua vez, na sala dedicada à enfermagem e aos técnicos localiza-se a estação de aquisição, que consiste nos monitores com o traçado eletroencefalográfico e a imagem de vídeo. Assim, o pessoal técnico controla continuamente a qualidade do traçado, ajustando os eletrodos conforme a necessidade e detectando possíveis anormalidades epileptiformes no traçado, o que pode ser útil na identificação precoce de crises ou de crises eletrográficas, permitindo que o técnico avalie a interação do paciente com o meio/examinador no caso de crises sutis, desde que adequadamente treinado para uma interpretação básica do traçado. Ao pessoal técnico cabe também monitorar a qualidade do registro por vídeo, ajustando a imagem de acordo com a movimentação do paciente no quarto, assim como a aproximação e o distanciamento da imagem, conforme a necessidade clínica.
Em outro ambiente localiza-se a estação de revisão. O examinador que interpreta o exame analisa os diferentes aspectos, revendo os eventos sinalizados pelo paciente, acompanhantes e enfermagem, bem como o traçado, e procurando identificar descargas e crises eletrográficas. A revisão completa de todo o traçado seria impraticável e pouco produtiva. Para isso, a maioria dos equipamentos de vídeo-EEG possui programas de detecção de descargas e de crises que identificam variações no traçado, definidas por algoritmos matemáticos, que são suspeitas para descargas epileptiformes e crises eletrográficas. Esses programas apresentam alta sensibilidade e baixa especificidade, ou seja, detectam muitas variações no traçado que não correspondem a anormalidades epileptiformes. Tais ferramentas auxiliam o examinador, selecionando fragmentos de maior probabilidade de anormalidades, mas, de forma alguma, substituem o olhar treinado desse profissional na identificação de anormalidades e na interpretação do traçado. Independentemente do emprego desses programas, é conveniente que fragmentos do EEG sejam interpretados por meio de amostragem periódica, especialmente em casos de epilepsia na faixa pediátrica. Alguns estudos já alertaram para a dificuldade de essas ferramentas detectarem alguns padrões eletrográficos associados a crises, principalmente no primeiro ano de vida.
Indicações da monitorização por vídeo-EEG
As principais indicações do registro por vídeo-EEG incluem o diagnóstico diferencial de eventos paroxísticos, a caracterização clinica e eletrográfica de crises epilépticas, a quantificação de crises e detecção de crises subclínicas, principalmente durante o sono, a avaliação pré-cirúrgica para epilepsia (com eletrodos de superfície, colocados sobre o couro cabeludo, ou com eletrodos invasivos, colocados no espaço subdural, com placas e estrias subdurais, ou com eletrodos profundos, colados no parênquima cerebral) e também o registro prolongado do EEG. Esta última indicação pode ser substituída pela monitorização prolongada ambulatorial do EEG, conhecida como Holter cerebral, com a vantagem de dispensar a internação hospitalar, mas com a desvantagem de não ser possível realizar correlações eletroclínicas, quando necessário.
Diagnóstico diferencial de eventos paroxísticos (epilépticos e não epilépticos)
Uma das maiores dificuldades que se apresentam para o clínico que é confrontado com fenômenos paroxísticos de curta duração reside no fato de que raramente esses eventos são presenciados pelo médico. Para uma tentativa de caracterização clínica mais detalhada, o médico depende do relato, nem sempre imparcial, do paciente e do acompanhante, no caso de episódios com perda de consciência. Existem evidências, obtidas por exames de neuroimagem e do EEG ambulatorial, que permitem o diagnóstico em muitos casos. Em outras situações, o médico se vê confrontado com a incerteza diagnóstica, dificultando as decisões terapêuticas. Em outros casos, ocorre resposta insatisfatória à intervenção terapêutica, levando a uma dúvida diagnóstica. O registro por vídeo-EEG é de enorme utilidade nesse contexto. Deve-se ter em mente, contudo, que o diagnóstico diferencial com eventos não epilépticos não se limita a observar a presença ou ausência de anormalidades epileptiformes ao EEG durante o evento.
Os eventos não epilépticos dividem-se em psicogênicos e fisiológicos. Crises epilépticas habitualmente cursam com descargas epileptiformes em todas as crises tônico-clônicas generalizadas, em mais de 90% das crises parciais complexas e em apenas cerca de 30% das crises parciais simples. Em outras situações, o traçado eletroencefalográfico pode ser encoberto por artefatos musculares e de movimento. Na ausência de um nítido correlato eletrográfico durante o quadro ictal, o examinador deve recorrer a outros dados para definir se o evento em questão é de natureza epiléptica, como a natureza estereotipada do evento e o estágio fisiológico em que o evento ocorre – crises não epilépticas psicogências tipicamente não ocorrem durante o sono –, além de análise detalhada da fenomenologia clínica.
Não é incomum que eventos não epilépticos fisiológicos, e também os eventos epilépticos psicogênicos, sejam diagnosticados erroneamente como epilepsia. Muitas vezes o erro diagnóstico decorre do fato de que muitas vezes o médico toma como verdadeira a interpretação dos fatos fornecida pelo paciente, por familiares, por cuidadores ou até pelo pessoal da enfermagem. O diagnóstico errôneo é particularmente comum em pacientes com deficiência mental, em quem maneirismos motores são interpretados como crises. Nesses casos, é fútil e improdutivo tentar contradizer o cuidador enquanto o diagnóstico não esteja plenamente esclarecido por meio da monitorização por vídeo-EEG. Em outros casos, o paciente pode queixar-se de crises frequentes, embora a investigação diagnóstica possa demonstrar que a crise, na verdade, seja uma interpretação errônea de uma sensação fisiológica normal. Pode ocorrer também que o diagnóstico errôneo decorra de uma interação inadequada entre o médico e o paciente. Em alguns casos, o profissional faz um diagnóstico de crise epiléptica baseado em dados insuficientes e, a partir daí, o paciente passa a aceitar o diagnóstico, empregando o termo crise para descrever um evento não epiléptico, com consequências sérias para o tratamento.
Os eventos fisiológicos não epilépticos constituem um importante diagnóstico diferencial com epilepsia, principalmente na infância. Diversos destes manifestam-se de forma paroxística, cursando com ou sem perda de consciência, e podem oferecer dificuldade diagnóstica e ser diagnosticados erroneamente como epilepsia. A anamnese cuidadosa, com descrição precisa das características que ocorrem antes, durante e após o evento, a faixa etária, a existência de doença neurológica preexistente, paralisia cerebral ou deficiência mental, a ocorrência dos eventos em determinadas situações, incluindo o estado de vigília ou sono, sugerem o diagnóstico na maioria dos casos. O EEG de rotina e, em alguns pacientes, a polissonografia permitem o diagnóstico em alguns casos. Em outros, é necessário o registro por vídeo-EEG do evento para melhor caracterização do quadro e um diagnóstico de certeza.
Uma das maiores dificuldades para o registro por vídeo-EEG desses eventos é a frequência de sua ocorrência. Episódios que ocorrem em intervalos prolongados podem não ser observados mesmo a despeito de monitorização por vídeo-EEG prolongada (por dias), e, como veremos em seguida, dificilmente podem ser induzidos por manobras provocativas. A monitorização por vídeo-EEG é particularmente útil nos casos em que o evento se repete com frequência e quando existe claro fator desencadeante que possa ser reproduzido nas condições de registro.
Os eventos não epilépticos fisiológicos mais comumente observados estão listados abaixo:
1) No recém-nascido, no lactente e no pré-escolar
Episódios relacionados ao sono, como mioclonias não epilépticas
Tremores fisiológicos e associados a distúrbios hidroeletrolíticos
Spasmus nutans e opsoclonus
Apneia do sono
Síncope vasovagal e cardíaca
Crises de perda de fôlego (cianótico e pálido)
Refluxo gastroesofágico
Cólicas do lactente
Comportamentos de autoestimulação, incluindo masturbação infantil
Hiperecplexia
Mioclonias fisiológicas do sono
Estereotipias
Espasticidade e clônus
2) No escolar, no adolescente e no adulto
Síncope e pré-síncope (vasovagal, reflexa, cardíaca, etc.)
Distúrbios do movimento (coreia, coreoatetose, distonia paroxística e distonia)
Tiques
Distúrbios de atenção (staring spells)
Distúrbios do sono (pesadelos, terror noturno, sonambulismo e narcolepsia-cataplexia)
Quadros confusionais agudos (encefalopatias tóxico-metabólicas)
Enxaqueca e enxaqueca basilar
Vertigem paroxística posicional benigna
Crises de pânico e de hiperventilação
Episódios isquêmicos transitórios
Amnésia global transitória
Os fenômenos sincopais e pré-sincopais caracterizam-se por diminuição do fluxo sanguíneo cerebral. Na maioria dos casos, os sintomas característicos são facilmente reconhecidos: sensação de desmaio iminente, com turvação visual, zumbido, sensação “de que as coisas ficam longe”, palidez cutânea, sudorese e perda de consciência associada a flacidez muscular. Na síncope vasovagal, a sintomatologia pode ser decorrente de situações características, como permanecer em posição ereta por longos períodos, especialmente em condições de calor ambiente ou aglomeração ou passar por situações de estresse emocional (como visualização de sangue ou punção venosa). O diagnóstico de síncope vasovagal geralmente é feito por meio de anamnese detalhada, podendo ser confirmado em alguns casos com o tilt test, com ou sem provocação farmacológica. É importante conhecer o fato de que episódios sincopais prolongados podem cursar com posturas hipertônicas, abalos clônicos ou até crise tônico-clônica generalizada. Esses fenômenos decorrem de sofrimento cerebral por hipofluxo/hipóxia e devem ser interpretados como uma crise aguda sintomática, e não como uma crise epiléptica espontânea. Nesses casos, o tratamento requer correção da condição de base, e não o emprego de drogas antiepilépticas.
Os episódios sincopais por arritmias cardíacas (bradicardia e taquicardia) podem representar maior dificuldade diagnóstica. Nessas situações, podem faltar os sintomas premonitórios pré-sincopais, dificultando ainda mais o diagnóstico. Os quadros sincopais secundários a arritmias cardíacas podem ocorrer em qualquer idade, sendo mais comuns em idosos. Pela potencial gravidade, risco de vida e potencial agravamento de certos tipos de arritmias pela ação de drogas antiepilépticas sobre o sistema de condução cardíaca, é imperioso que esse diagnóstico correto seja estabelecido com presteza e precisão. Muitos dos serviços de vídeo-EEG empregam rotineiramente o registro do traçado de ECG concomitantemente ao registro do EEG.
Como se depreende dos exemplos listados, o diagnóstico depende, em cada caso, da cuidadosa caracterização clínica e da experiência do examinador para interpretar corretamente, e no contexto clínico apropriado, os dados obtidos pela monitorização por vídeo-EEG.
Crises não epilépticas psicogênicas
Um dos maiores desafios diagnósticos na área de epilepsia é o diagnóstico de certeza de eventos não epilépticos psicogênicos. E, certamente, em poucas áreas da medicina o diagnóstico preciso se reveste de tanta importância quanto nessa situação. A apresentação dessa doença varia, mas ela é frequentemente confundida com crises epilépticas e, não raro, tratada com medidas agressivas, incluindo a indução de coma barbitúrico em casos diagnosticados erroneamente como estado de mal epiléptico.
Não é possível estabelecer o diagnóstico de certeza com a observação de um evento típico. Muitos médicos interpretam sintomas bizarros, que comumente ocorrem nas epilepsias do lobo frontal, como indicativos da natureza não epiléptica do evento, enquanto muitas vezes os eventos não epilépticos podem ser confundidos com crises epilépticas. Tampouco o diagnóstico de certeza pode ser estabelecido por meio do registro de um evento típico durante o EEG de rotina. Um fator adicional de dificuldade é que não incomum os dois tipos de crise coexistirem em um mesmo paciente. Alguns estudos, baseados em casos de crises de difícil controle encaminhados a centros de epilepsia, sugerem que a coexistência de ambos os tipos de crise possa ocorrer em até 20% dos casos.
A monitorização prolongada por vídeo-EEG é de extrema importância nesses casos, não somente pelo aspecto diagnóstico, mas também pela possibilidade da concomitância das duas patologias e, sobretudo, por propiciar um conjunto de condições que garantam que a abordagem terapêutica seja iniciada dentro de preceitos que permitam maximizar o sucesso terapêutico. Em alguns casos, praticamente não existe dúvida diagnóstica, porém a indicação do registro por vídeo-EEG tem o papel não somente de estabelecer inequivocadamente o diagnóstico, mas, sobretudo, de possibilitar a abordagem terapêutica ideal.
Procedimento diagnóstico
Ao programar a monitorização por vídeo-EEG em casos suspeitos de crises não epilépticas psicogênicas, é importante ter em mente que existe a possibilidade da ocorrência de crises não epilépticas e epilépticas e que a retirada de drogas facilita a ocorrência de crises epilépticas, porém não necessariamente. Essa estratégia deve ser evitada, exceto quando seja necessário documentar a ocorrência de crises epilépticas. Além disso, na maioria dos pacientes com crises não epilépticas, observa-se sugestionabilidade, podendo-se induzir as crises típicas por sugestão. Convém lembrar que pacientes com epilepsia e indivíduos normais podem ser sugestionáveis; portanto, a ocorrência de crises induzidas por sugestão deve sempre ser interpretada no contexto clínico apropriado.
Em todos os casos suspeitos de crises não epilépticas, a monitorização por vídeo-EEG deve, necessariamente, observar o registro de evento típico apresentado pelo paciente fora do ambiente hospitalar. Esse dado deve ser confirmado por testemunhas oculares das crises habituais dos pacientes e pelo próprio paciente. É desejável que mais de um evento típico seja registrado. Podem ocorrer casos em que pacientes epilépticos, no contexto da monitorização por vídeo-EEG, apresentem um evento não epiléptico de natureza psicogênica, talvez motivados pela necessidade – e desejo inconsciente – de que seja observada uma crise para fins diagnósticos e, assim, o exame fique completo.
É preciso ainda excluir com o maior grau de segurança possível a coexistência de epilepsia. A ausência de anormalidades epileptiformes ao registro prolongado do traçado eletroencefalográfico, associada à ausência de outros tipos clínicos de crises, permite afastar essa possibilidade diagnóstica com razoável grau de segurança. Em muitos casos de coexistência dos dois tipos de crise, as crises epilépticas podem ser de fácil controle medicamentoso e as não epilépticas psicogênicas, de “difícil controle medicamentoso”. Uma vez preenchidos os dois critérios mencionados, a indução e o abortamento de eventos típicos por sugestão, como infusão endovenosa de solução salina, permite reforçar o diagnóstico nesses casos.
Quadro clínico
A apresentação clínica inicial raramente ocorre antes dos 8 anos de idade. As crises habitualmente têm duração mais prolongada que as crises epilépticas e podem assumir a característica de sintomas flutuantes, que vão e voltam, com chance de serem interpretados erroneamente como crise epilépticas subentrantes ou estado de mal epiléptico. A prevalência é maior em mulheres.
Embora nem sempre seja fácil distinguir as crises não epilépticas das crises epilépticas ao se observar um primeiro evento, alguns estudos demonstraram que a observação de alguns fenômenos clínicos permitem discriminar eventos não epilépticos de crises epilépticas. Entre eles, destacam-se movimentos assíncronos dos membros superiores e inferiores, movimentos laterais repetitivos da cabeça, movimentos de opistótono e movimentos acentuados de propulsão da pelve. Liberação esfincteriana e ocorrência de lesões decorrentes de crises, embora tidas como indicativas da natureza epiléptica do evento, podem ocorrer em crises não epilépticas.
É necessário ter cautela para não atribuir fenômenos bizarros, como aqueles que ocorrem nas crises epilépticas que envolvem estruturas frontais e a área motora suplementar, a crise não epilépticas. Um dos dados que pode auxiliar o diagnóstico diferencial nesses casos é a característica estereotipada das crises epilépticas.
Outro dado clínico bastante útil é o de que as crises não epilépticas não se iniciam durante o sono. É fato bem conhecido, contudo, que elas possam ocorrer em estado de sono aparente, em que o indivíduo está acordado, com olhos fechados, ou logo após o despertar.
A ocorrência de crises não epilépticas deve sempre ser suspeitada em casos de epilepsia de difícil controle, em que os exames de EEG sejam repetidamente normais e a RM tampouco demonstre anormalidades.
Etiologia
Na maioria dos casos, as crises não epilépticas psicogênicas ocorrem no contexto de distúrbios conversivos, nos quais o paciente não produz os fenômenos de forma consciente ou intencional. Traços histriônicos de personalidade são comuns, porém não estão presentes de forma uniforme. Devido à alta prevalência de psicopatologia em pacientes epilépticos, a presença de comorbidade psiquiátrica nem sempre permite discriminar as duas condições clínicas. Existem evidências, na literatura, que uma proporção significativa dos pacientes com crises não epilépticas, especialmente as do sexo feminino, tenham antecedentes de abuso sexual ou físico.
É raro que eventos não epilépticos psicogênicos ocorram no contexto de um distúrbio factício, como a síndrome de Munchhausen, em que, embora os sintomas sejam produzidos conscientemente pelo paciente, a motivação permanece inconsciente. É também relativamente incomum que pacientes que simulam epilepsia (maligering) sejam vistos em centros especializados em epilepsia. Nesses casos, tanto o fenômeno quanto a motivação do fenômeno são conscientes. O contexto clínico mais comum em tais circunstâncias é o de prisioneiros ou pessoas sob cautela judicial que simulam crises com objetivos evidentes. Esses pacientes podem ser extremamente sofisticados na simulação de crises, dificultando o diagnóstico.
As crises não epilépticas psicogênicas podem também ser denominadas pseudocrises, pseudoepilepsia ou histeroepilepsia. Essas denominações, além de imprecisas, trazem embutidas uma carga de preconceito e devem ser evitadas.
Em alguns casos, as crises não epilépticas ocorrem no contexto de elaboração, em que, a uma crise parcial simples, motora ou sensorial, se segue uma crise não epiléptica mais elaborada. Nesses casos, a exacerbação dos sintomas está associada a medo, dependência, busca de atenção ou resposta condicionada. Essa situação deve ser reconhecida e abordada de forma adequada. Crises não epilépticas podem ser observadas em indivíduos com retardo mental, por vezes institucionalizados, ou em pessoas com recursos intelectuais limitados, quando os sintomas são atribuíveis a mecanismos inadequados de ajuste.
Abordagem terapêutica
Para que o tratamento seja eficaz, é necessário que a postura do médico e da equipe envolvida seja profissional. O médico deve estar confiante no diagnóstico e agir com atitude terapêutica (segurança e respeito), proporcionando apoio e evitando o preconceito. Uma forma que pode auxiliar essa postura é compreender que as crises representam um pedido de ajuda de maneira não verbal.
É importante que o diagnóstico seja apresentado de forma positiva, comunicando ao paciente que os exames permitiram concluir que ele não tem epilepsia e atentando para o fato de reconhecer que o paciente tem crises, porém de outra natureza, não decorrente de anormalidades na atividade elétrica cerebral. Deve-se ter extrema cautela ao abordar a questão psicogênica. Informar ao paciente simplesmente que as crises não são de natureza epiléptica não é suficiente. Espera-se que ocorram resistência e negação do diagnóstico, o que é normal e necessário para alguns pacientes processarem o diagnóstico. Retirar do paciente todos os mecanismos de defesa sem fornecer mecanismos alternativos para lidar com a situação pode ser catastrófico. Qualquer ambivalência pode dar margem a atitudes de negação ou manipulação por parte do paciente. Para alguns, as crises não epilépticas servem como um mecanismo de defesa extremamente eficiente, embora patológico; nesses casos nem toda a certeza diagnóstica é capaz de convencê-los do diagnóstico.
Embora nenhum médico possa convencer o paciente do diagnóstico, todo médico deveria ser capaz de transmitir segurança, empatia e compreensão diante das dificuldades e do sofrimento que afligem o paciente, assim como ter uma atitude de apoio no processo de assimilação do diagnóstico. É importante que o paciente reconheça o médico como autoridade e que o tratamento envolva um profissional habilitado para abordar as questões psicogênicas em tratamento psicoterapêutico ambulatorial. É necessário também que se reconheçam as comorbidades psiquiátricas, como depressão e distúrbios de personalidade, e, quando preciso, que se institua o tratamento medicamentoso adequado. A retirada das drogas antiepilépticas deve ser realizada pelo neurologista, levando-se em conta a certeza diagnóstica e a possibilidade de sintomas de abstinência das drogas, especialmente barbitúricos e benzodiazepínicos. É conveniente seguimento neurológico em longo prazo para evitar que as drogas antiepilépticas sejam reintroduzidas inadvertidamente, por exemplo, em visitas a pronto-socorros.
O prognóstico para desaparecimento dos sintomas é bom, especialmente nos casos agudos e naqueles associados a distúrbio conversivo, e em pacientes mais jovens. Já nos casos crônicos, quando se associa um distúrbio de personalidade, e em pacientes mais velhos o prognóstico não é tão bom.
Caracterização de crises epilépticas, quantificação de crises ou detecção de crises subclínicas
Crises epilépticas são raramente presenciadas pelo médico, que depende de uma descrição clínica do evento, fornecida pelo paciente e por testemunhas oculares, que nem sempre conseguem descrever de forma objetiva os fenômenos observados. Mesmo pacientes com nível cultural mais elevado podem tomar emprestada uma terminologia médica, contribuindo para a confusão diagnóstica. Além disso, o recurso auxiliar mais empregado para diagnóstico, o EEG ambulatorial, fornece apenas informações relacionadas ao período interictal, podendo ser repetidamente normal em alguns casos. Em pacientes selecionados, a monitorização por vídeo-EEG é extremamente útil na caracterização clínico-eletrográfica das crises para afastar eventos não epilépticos associados, bem como para possibilitar a análise do EEG interictal por períodos mais prolongados.
A utilidade do método é parcialmente limitada à frequência espontânea dos eventos. Muitas vezes, procede-se à retirada parcial ou completa das drogas para facilitar a ocorrência de crises. Deve-se levar em conta, nessas situações, a possibilidade de serem observadas crises não habituais ou modificadas pela retirada de drogas de forma relativamente abrupta.
A seguir, estão relacionadas as situações mais freqüentemente observadas na prática clínica em que a monitorização por vídeo-EEG é particularmente útil:
1. Situações em que a caracterização clínica e eletroencefalográfica (interictal) não permitam a identificação adequada do tipo de crise e, consequentemente, da síndrome epiléptica. Essa dificuldade é particularmente aguda em casos de epilepsia na infância
- Diferenciação de crises de ausência de crises parciais complexas. Embora a diferenciação de crises de ausência típica e crises parciais complexas originadas no lobo temporal seja relativamente fácil por meio de anamnese (faixa etária, duração da crise, tipo de automatismos e presença de crise parcial simples precedendo o evento) e do EEG de rotina, a diferenciação de crises parciais complexas extratemporais de ausência pode ser extremamente difícil, com implicações terapêuticas significativas. As crises parciais complexas originadas em estruturas extratemporais, e por vezes também as originadas em estruturas temporais, podem se caracterizar por breve perda de contato com o meio com automatismos discretos, lembrando as crises de ausência. O traçado eletroencefalográfico ictal, em geral, é contributivo, porém em algumas situações as descargas ictais podem assemelhar-se às descargas de complexos espícula-onda a 3 Hz, observados nas crises de ausência.
- Diferenciação de crises tônicas primariamente generalizadas, a exemplo das observadas na síndrome de Lennox-Gastaut, de crises parciais complexas em que ocorre predominantemente postura tônica bilateral, como habitualmente ocorre nas crises que envolvem a área motora suplementar.
- Diferenciação de crises mioclônicas de crises parciais motoras.
2. Caracterização de início ictal focal em pacientes com crises tônico-clônicas generalizadas
Muitos pacientes que apresentam crises tônico-clônicas generalizadas sem início focal aparente podem ser erroneamente diagnosticados com crises tônico-clônicas primariamente generalizadas, no contexto de síndromes epilépticas idiopáticas. Nessas situações, pode estar ocorrendo uma crise de início focal, com rápida generalização. O EEG interictal é capaz de mostrar anormalidades focais, anormalidades de projeção generalizada (podendo se tratar de projeção difusa de descargas focais, a “bissincronia secundária”) ou ambas. Nesses casos, o registro ictal habitualmente permite a diferenciação entre crises primariamente ou secundariamente generalizadas. As implicações terapêuticas são importantes, uma vez que drogas de escolha para crises epilépticas de início focal, como carbamazepina e fenitoína, podem agravar crises primariamente generalizadas.
3. Caracterização de todos os tipos de crise epiléptica apresentada por um determinando paciente, auxiliando o diagnóstico síndrômico e orientando a seleção de drogas antiepilépticas mais adequadas
4. Diagnóstico de crises subclínicas (ou com manifestação sutil)
Por meio do registro prolongado e, particularmente, do auxílio de programas de detecção de crises, torna-se relativamente fácil identificar as crises subclínicas e também perceber as manifestações sutis de crises, especialmente daquelas que ocorrem durante o sono, as quais frequentemente assumem características mais sutis do que as crises ocorridas em vigília no mesmo paciente. Nesse contexto, o registro por vídeo-EEG torna-se bastante útil na investigação da possibilidade de os estados confusionais se deverem a crises subclínicas frequentes. Outra situação em que o registro por vídeo-EEG tem extrema utilidade é o seguimento do tratamento de crises que se modificam com a instituição do tratamento, tornando-se mais sutis. Essa situação ocorre tipicamente no contexto dos espasmos infantis, porém também se aplica, por exemplo, às crises de ausência.
Avaliação pré-cirúrgica para epilepsia (não invasiva e invasiva)
A monitorização por vídeo-EEG é um exame fundamental na avaliação de pacientes candidatos à cirurgia para o tratamento de epilepsia de difícil controle medicamentoso, especialmente as epilepsias focais (sintomáticas ou criptogênicas). O registro não invasivo é um dos principais componentes de um conjunto de exames, de natureza multidisciplinar, que visa a identificar a zona epileptogênica nesses pacientes. O registro ictal não invasivo habitualmente permite localizar a área de início ictal em indivíduos com epilepsia do lobo temporal, principalmente nas crises originadas na porção mesial do lobo temporal. Em outras situações, como nas crises de origem extratemporal, a interpretação dos achados não é tão simples, estando sujeita não somente a erros de localização, mas também de lateralização. Consequentemente, o registro videoeletroencefalográfico ictal com eletrodos de superfície deve sempre ser interpretado no contexto dos outros exames que compõem a bateria para a avaliação pré-cirúrgica.
Fonte: http://www.fleury.com.br/
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