Nos locais onde já foi disponibilizada desde os anos 1990, a terapia antirretroviral (Tarv) modificou a história natural da infecção pelo HIV, uma vez que a supressão da replicação viral permite a melhora da imunidade dos pacientes em tratamento, traduzida pelo aumento do número absoluto de linfócitos T CD4+ e, dessa maneira, acompanhada por diminuição da incidência de infecções oportunistas e por aumento da sobrevida nessa população. Como consequência desta última, observamos uma mudança nas principais causas de óbitos em indivíduos infectados pelo HIV: as infecções oportunistas têm cedido lugar às causas não-infecciosas, o que significa a expansão do rol de doenças associadas ao HIV. Estudos recentes demonstraram que, entre 1995 e 2006, o percentual de óbitos não-relacionados à aids entre indivíduos infectados pelo HIV nos EUA aumentou de 8% para 32%, com destaque para as doenças cardiovasculares e para as neoplasias não indicativas de aids, responsáveis por 50% desses óbitos. Uma tendência semelhante foi observada no Brasil, onde um estudo de mortalidade avaliou 5.856.056 atestados de óbito, no período entre 1999 e 2004, e comparou as causas de óbito entre os atestados que mencionavam HIV/aids e aqueles em que não havia tal menção. Do total dos documentos estudados, 67.249 (1,15%) mencionavam HIV/aids. Foi demonstrado que a proporção de mortes ocasionadas por condições não relacionadas ao HIV – a exemplo das doenças cardiovasculares, e das neoplasias não indicativas de aids ou NNIA – aumentou de 18%, em 1999, para 28% em 2004. Na população vivendo com HIV, o câncer anal é uma das NNIAs com maior incidência. Em uma coorte recente de indivíduos infectados pelo HIV, observou-se uma relação padronizada de incidência ou SIR (do inglês, standardized incidence ratio) de 25,1 e uma relação de taxa de incidência ou IRR (do inglês, incidence rate ratio) de 18,50 para câncer anal. Estes dados mostram um risco de desenvolvimento de câncer anal 18 vezes maior em indivíduos infectados pelo HIV. A fisiopatogenia do câncer anal é muito semelhante à do câncer cervical. Ambos são precedidos pelas lesões escamosas intraepiteliais (SIL, do inglês, squamous intraepithelial lesions). As SILs anais também estão associadas à infecção pelos subtipos de alto risco do HPV e são precursoras do carcinoma invasivo. A população portadora do HIV não só apresenta maior prevalência da infecção por HPV, como também exibe uma maior variedade de tipos virais de alto risco. Dessa maneira, se torna de extrema importância a realização de citologia líquida oncótica anal (ou papanicolaou anal) anualmente em homens que fazem sexo com homens (HSH) e em mulheres com citologia cervical alterada, com carcinoma cervical e/ou que pratiquem sexo anal. Estudos recentes mostram que mulheres com HIV/aids apresentam alta prevalência de lesões intraepiteliais cervicais de alto grau, podendo chegar a 10,1%, muito superior à da população geral, entre 2 e 3%.Outro importante exame, que deve ser associado ao papanicolaou, é a detecção molecular do HPV no canal anal, com determinação da presença de subtipos de alto risco. A persistência destes tipos está associada à transformação da zona de transição anal, levando a lesões escamosas intraepiteliais anais (ASIL). Todos os indivíduos com citologia oncótica alterada, seja com Asil ou Ascus (sigla, do inglês, para células atípicas de significado indeterminado), devem ser submetidos a anuscopia de alta resolução para pesquisa de lesões displasicas ou acetobrancas com biópsia subseqüente das áreas suspeitas.
Fonte: http://www.fleury.com.br/