Introdução
A doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurodegenerativa progressiva, que afeta mais de 37 milhões de pessoas no mundo e representa a forma mais comum de demência em idosos. Caracteriza-se por um declínio cognitivo e comportamental, com acometimento mais precoce e mais intenso da memória.
A incidência da DA aumenta conforme seu principal fator de risco, a idade. Na última década, o conhecimento sobre os diversos aspectos da doença aumentou, considerando a neuropatologia, os fatores de risco genéticos e ambientais, o quadro clínico, o tratamento medicamentoso e também o tratamento baseado na utilização de terapias psicossociais no controle de pacientes com esse diagnóstico.
Epidemiologia no Brasil e na América Latina
A incidência da doença de Alzheimer está relacionada à idade e dobra a cada cinco anos após os 65 anos de idade. A prevalência é de 30% ou mais em indivíduos acima dos 85 anos. A DA tem uma evolução que pode variar de 2 a 20 anos, o que influencia sua prevalência.
Os estudos epidemiológicos brasileiros sobre a DA e um estudo colaborativo de países da América Latina mostram que a prevalência das síndromes demenciais na região é semelhante à observada nos países desenvolvidos. A doença de Alzheimer é a forma mais frequente de demência. Na América Latina, há uma maior prevalência de demência em indivíduos entre 65 e 70 anos, comparável à dos países desenvolvidos, o que pode estar relacionado a um menor nível educacional e de reserva cognitiva.
Quadro clínico e critérios diagnósticos
A história clínica do paciente e do acompanhante ou informante é de primária importância no diagnóstico da DA. O sintoma mais frequente é a perda de memória para fatos recentes, que frequentemente envolve nomes de pessoas ou objetos. Esse sintoma é acompanhado, na evolução, de distúrbios visuoespaciais com desorientação, ou seja, o indivíduo se perde de forma frequente e perde objetos pessoais. Ocorre ainda declínio na linguagem, com redução da fluência verbal – o paciente conversa menos e pode apresentar dificuldade em nomear (anomia) e em encontrar palavras, assim como, em alguns casos, erros na escrita e na pronúncia de palavras.
As funções executivas de planejamento, sequência e abstração também são acometidas. A dificuldade em reconhecer objetos (agnosia) e de executar um movimento aprendido (apraxia) ocorre com mais frequência nos quadros moderados da doença. Os sintomas neuropsiquiátricos são observados em até 80% dos casos de DA, entre os quais a depressão, a apatia e a agitação são os mais comuns. Ansiedade e alucinações, frequentemente paranoides, se tornam mais presentes com a progressão da doença.
O exame neurológico geral é normal nos quadros iniciais e moderados da doença. Nos quadros avançados, podem surgir sinais como rigidez, hiper-reflexia, parkinsonismo e disfagia. Os testes do miniexame do estado mental avaliam os principais domínios cognitivos. Uma avaliação inicial insatisfatória torna importante uma avaliação completa das funções cognitivas por meio do teste neuropsicológico, que é importante no diagnóstico da doença de Alzheimer e em diagnósticos diferenciais.
O teste neuropsicológico, na DA, mais frequentemente evidencia comprometimento da memória verbal e visual, além de comprometimento da fluência verbal e nomeação.
Critérios diagnósticos
Os critérios diagnósticos para a doença de Alzheimer utilizados no Brasil e na maioria dos países são baseados no DSM-IV para o diagnóstico de demência, considerando declínio cognitivo progressivo nas funções cognitivas, com comprometimento da memória recente, e uma outra disfunção cognitiva não relacionada a doenças psiquiátricas ou medicações e que comprometa funcionalmente o indivíduo nas suas funções sociais e/ou ocupacionais.
O diagnóstico da doença de Alzheimer se baseia nos critérios diagnósticos do National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke e da Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association (NINCDS-ARDA) como DA possível, provável ou definida. Esses critérios possuem sensibilidade de 80% e especificidade de 70% para o diagnóstico da doença de Alzheimer provável.
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA DOENÇA DE ALZHEIMER SEGUNDO O NINCDS-ARDA
Doença de Alzheimer provável
Doença de Alzheimer possível
Doença de Alzheimer definida
Demência definida pelo exame clínico
Demência confirmada com teste cognitivo (neuropsicológico)
Comprometimento em duas ou mais funções cognitivas
Comprometimento progressivo da memória e outras funções cognitivas
Preservação da consciência
Início entre 40 e 90 anos
Ausência de doença sistêmica ou cerebral que justifique os sintomas
Demência com início e progressão atípica
Outras doenças são capazes de produzir o quadro de demência, mas podem não ser a causa primária
Demência com critérios diagnósticos clínicos de DA provável
Diagnóstico patológico por autópsia ou biópsia (difícil aplicabilidade clínica)
Os exames complementares atualmente recomendados para auxílio ao diagnóstico da doença de Alzheimer, que podem afastar outras doenças que justifiquem os sintomas, são:
Hemograma
Concentração sérica de ureia e creatinina;
Tiroxina livre;
TSH;
Albumina;
Enzimas para avaliação de função hepática;
Dosagem de vitamina B12;
Dosagem de cálcio;
Reações sorológicas para sífilis;
Sorologia para o vírus HIV (para paciente abaixo de 60 anos);
Exame do líquido cefalorraquidiano (em situações particulares, como doença de início precoce ou progressão atípica, presença de hidrocefalia e suspeita de quadro infeccioso ou inflamatório);
Tomografia computadorizada ou preferencialmente ressonância magnética, um exame obrigatório, com a finalidade principal de excluir outras causas que justifiquem o quadro demencial. Nas fases iniciais da DA, nas quais a amnésia é habitualmente a manifestação mais importante, a RM de alta resolução pode mostrar atrofia da formação hipocampal, particularmente do córtex entorrinal, onde se observam as alterações neuropatológicas mais precoces da doença. Esse padrão é sensível, mas não específico para a doença de Alzheimer;
Cintilografia de perfusão (single-photon emission computed tomography, ou SPECT) ou tomografia com glicose marcada (positron emission tomography, ou PET) e eletroencefalograma (EEG) são métodos opcionais. A maioria dos estudos de PET e SPECT em pacientes com doença de Alzheimer evidencia uma redução bilateral do fluxo sanguíneo e do metabolismo nas regiões temporais ou temporoparietais. Essas alterações podem estar ausentes nas fases iniciais da doença e ocorrer em outros tipos de demência. O PET e o SPECT podem diferenciar sujeitos idosos normais, ou com comprometimento cognitivo leve, de indivíduos com DA inicial. O diagnóstico de doença de Alzheimer provável, com a utilização dos critérios clínicos, tem uma sensibilidade de 80%, que pode subir para 92% se o SPECT cerebral mostrar hipoperfusão temporal (exame positivo) ou cair para 70% se for normal (exame negativo). O EEG tem um papel importante durante a evolução clínica da doença de Alzheimer, já que cerca de 15% dos portadores dessa demência podem apresentar crises convulsivas durante a progressão da doença.
Os critérios diagnósticos para DA permanecem os mesmos nos últimos 25 anos. Em julho de 2007, no entanto, um grupo de pesquisadores de centros especializados em pesquisa sobre Alzheimer iniciou um estudo com o propósito de modificar esses parâmetros com base nos conhecimentos adquiridos com estudos de neuroimagem e biomarcadores. Recentemente, em julho de 2010, os resultados desse estudo foram apresentados em congresso internacional sobre a doença de Alzheimer. O objetivo principal é o diagnóstico precoce da DA, mesmo na fase pré-clínica, buscando um grupo-alvo para um tratamento mais eficaz.
Os principais elementos que podem passar a ser considerados nessa proposta de mudança dos critérios diagnósticos para DA provável e possível são:
1) Declínio cognitivo documentado:
Evidência de piora cognitiva em avaliações e testes como o miniexame do estado mental ou a avaliação neuropsicológica formal.
2) Biomarcadores positivos:Liquido cefalorraquidiano com redução da A? 42 e elevação da proteína Tau e fosfo-Tau;
Imagem de PET positiva para amiloide (não disponível para prática clínica); Redução da captação de glicose marcada com flúor no córtex temporoparietal, no exame de PET; Atrofia desproporcional nas porções mediais do lobo temporal (formação hipocampal e córtex entorrinal), no lobo temporal basal e lateral e no córtex parietal medial.3) Mutações genéticas
Gene da amiloid precursor protein (APP), localizado no cromossomo 21: a mutação altera a clivagem da APP e induz acúmulo de proteína beta-amiloide;
Gene da presenilina 1 (PSEN1), localizado no cromossomo 14;
Gene da presenilina 2 (PSEN2), localizado no cromossomo 1.
Essas mutações genéticas se referem a casos de doença de Alzheimer pré-senil, com padrão de herança autossômico dominante (correspondente a cerca de 5% dos casos).
A aplicação desses marcadores e da proposta de revisão dos critérios diagnósticos para a doença de Alzheimer deve ainda ser confirmada por novos estudos. Mas há indícios de que eles possivelmente sejam utilizados no auxílio ao diagnóstico da DA em quadros precoces, quando novos possíveis tratamentos possam ser testados, e de que, na ausência de medicações específicas que modifiquem a evolução da doença, eles permitam modificar alguns fatores de risco que podem, de certa forma, contribuir para o tratamento de suporte, como controle de fatores de risco cardiovascular (HAS, diabetes mellitus e dislipidemia) e indicação de atividade física e atividades cognitivas.
A utilização de biomarcadores do liquido cefalorraquidiano, com a dosagem de A? 42 e da proteína Tau e fosfo-Tau em conjunto, foi avaliada em recente estudo em indivíduos com doença de Alzheimer, em pessoas com declínio cognitivo leve, em indivíduos normais e em pacientes com confirmação de doença de Alzheimer por autópsia. Esse estudo mostra que a associação de redução de A? 42 e a elevação da proteína Tau e fosfo-Tau são marcadores importantes no auxílio ao diagnóstico da DA, apresentando sensibilidade de 90% e especificidade de 64%. Nos indivíduos com declínio cognitivo leve, no seguimento após cinco anos, entre os que tinham esse padrão de alteração de marcadores, a sensibilidade foi de 100% para os que evoluíram para a doença de Alzheimer. Nos indivíduos com DA confirmada por autópsia a sensibilidade foi de 94%. Esse padrão também foi observado em 36% dos indivíduos cognitivamente normais, o que sugere a presença da doença de Alzheimer mesmo em uma fase pré-clínica.
A aplicabilidade desses testes deve ser confirmada por outros estudos e a padronização sobre seus valores de referência para indivíduos normais e com diagnóstico clínico de doença de Alzheimer tem de ser avaliada para que haja concordância entre os diversos sistemas e kits disponíveis para tais dosagens.
Fonte: http://www.fleury.com.br/
Doença de Alzheimer
Por: Dr. Aurélio Pimenta Dutra?