Doença celíaca

Por: Dra. Márcia Wehba Esteves Cavichio
Dr. Luís Eduardo Coelho Andrade ?


Introdução

A doença celíaca (DC) é uma enteropatia imunologicamente mediada, causada por uma sensibilidade permanente ao glúten, que ocorre em indivíduos geneticamente predispostos. O glúten é a fração proteica de grãos como trigo, aveia, cevada e centeio. Apesar de estudos recentes questionarem se a aveia é deletéria, esse alimento ainda deve ser mantido como restrição para celíacos.

A incidência da DC geralmente é subestimada por ter grande variedade de apresentações clínicas, porém estudos de triagem na Europa e nos EUA mostraram que a afecção incide em 0,5% a 1% da população geral.

Manifestações clínicas

Classicamente, crianças têm, como manifestações clínicas principais, diarreia crônica, distensão abdominal, anorexia e baixo ganho de peso e estatura, podendo chegar a uma desnutrição grave caso o diagnóstico demore a ser feito. Esses sintomas iniciam-se entre 6 e 24 meses de idade, após a introdução do glúten na dieta. Alterações de humor, como irritabilidade, são comuns. Há ainda uma situação bastante grave e rara, denominada crise celíaca, na qual a criança apresenta diarreia aquosa, distensão abdominal importante, desidratação, hipotensão e distúrbio hidroeletrolítico (hipocalemia).

É importante ressaltar que os sintomas podem começar em qualquer idade e o motivo dessa variação não é totalmente conhecido, podendo estar relacionado com a quantidade de glúten ingerido ou com a duração do aleitamento materno. Os sintomas principais em crianças mais velhas são diarreia, náusea, vômito, dor abdominal, flatulência, perda de peso e constipação. Muitos pacientes têm, como primeira manifestação, um quadro não relacionado ao trato gastrointestinal. Dentre as várias manifestações extraintestinais, as que têm maior evidência de se relacionar com a DC são dermatite herpetiforme, hipoplasia do esmalte da dentição permanente, osteopenia e osteoporose, baixa estatura, retardo puberal e anemia ferropriva não responsiva à terapia com ferro oral. Além dessas manifestações, hepatite (elevação de enzimas hepáticas), artrite e epilepsia com calcificações occipitais foram descritas, mas com menor evidência de relação com a DC.

Enfermidades associadas

A DC associa-se com enfermidades autoimunes e não autoimunes. A evidência mais forte é de associação com diabetes mellitus tipo 1, uma vez que até 8% dos diabéticos tipo 1 têm biópsia de intestino delgado com histologia compatível com a doença. Há também descrição de associação entre tiroidite autoimune e DC, principalmente em adultos. Entre as doenças não autoimunes, a evidência mais forte de associação é com a síndrome de Down: de 5% a 12% desses pacientes têm DC. Também já foi descrita a associação com as síndromes de Turner e de Williams. Por sua vez, a deficiência seletiva de IgA está fortemente relacionada com a doença, a ponto de 1,7% a 7,7% dos pacientes com DC terem essa deficiência.

Grupos de risco para a doença celíaca: como fazer a triagem

Como citado anteriormente, a DC tem uma grande variação de manifestações clínicas, podendo, inclusive, permanecer oligo ou assintomática por muito tempo, o que leva à discussão sobre a possível recomendação de exames de triagem para os grupos de maior risco para a doença. Um argumento sensível refere-se às complicações graves, como linfoma de intestino e osteoporose, em pacientes celíacos que demoram para ter o diagnóstico esclarecido, ficando muitos anos sem tratamento adequado.

Assim, os seguintes grupos de pacientes devem ser submetidos a exames de triagem para doença celíaca:
- Pacientes com sintomas sugestivos da doença
- Diabéticos tipo 1
- Indivíduos com tiroidite autoimune
- Portadores das síndromes de Down, de Turner e de Williams
- Pacientes com deficiência seletiva de IgA
- Parentes de primeiro grau de pacientes celíacos.
Esses grupos devem ser testados entre 3 e 4 anos de idade, tendo sido garantido que eles tenham recebido uma dieta contendo glúten por, pelo menos, um ano.

Exames de triagem

- Anticorpo antitransglutaminase (anti-TTG) – São pesquisados anticorpos da classe IgA. Tem sensibilidade e especificidade de 90% a 95%. É realizado por método Elisa e universalmente aceito como teste de triagem para DC. Por haver uma concomitância de 2% a 10 % de DC e deficiência de IgA, é necessário fazer a dosagem de IgA sérica concomitante. No caso de IgA baixa, deve-se testar o anticorpo antitransglutaminase da classe IgG.
- Anticorpo antiendomísio (EMA) – Também é feito para anticorpos de classe IgA. Tem sensibilidade e especificidade semelhante à do anti-TTG, porém, por ser realizado por técnica de imunofluorescência indireta, depende da experiência do observador. Por outro lado, a possibilidade de inspeção visual permite um controle de qualidade inerente a esse exame. EMA e anti-TTG têm desempenho diagnóstico comparável e geralmente apresentam concordância. Isso ocorre porque o antígeno reconhecido no teste EMA é a própria transglutaminase, enzima em que o endomísio é rico. No entanto, algumas amostras podem ser reagentes em apenas um desses dois testes devido a peculiaridades de exposição de epítopos em cada um desses ensaios.
- Anticorpo antigliadina – Por sua menor sensibilidade e especificidade, esse anticorpo não tem mais sido recomendado para a triagem de DC.
- Teste genético – A grande maioria dos pacientes celíacos e 30% da população geral apresentam HLA-DQ2 e/ou DQ8. Assim, a presença de um desses dois alelos tem boa sensibilidade, mas baixa especificidade. Portanto, um teste negativo para DQ2/DQ8 praticamente afasta a possibilidade de DC, mas um resultado positivo não permite fechar diagnóstico, sendo necessários outros subsídios de natureza clínica, imunológica ou histológica.

Diagnóstico
Os critérios para o diagnóstico da DC foram publicados pela Euporean Society of Gastroenterology, Hepatology and Nutrition:








As exceções ao esquema diagnóstico incluem dois grupos de pacientes:
- Menores de 2 anos de idade, pois o diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca pode ser confundido com o de doença celíaca, já que ambas causam atrofia vilositária. Nessa situação, deve-se programar um desencadeamento com glúten, na idade adulta, para a confirmação diagnóstica.
- Pacientes que eram assintomáticos no momento do diagnóstico e indivíduos que foram diagnosticados por triagem, por pertencerem a grupos de risco para a doença (diabéticos e irmãos de celíacos, por exemplo). Nesses casos, uma segunda biópsia é necessária para comprovar a recuperação da mucosa após a dieta.

Tratamento

O tratamento consiste na exclusão do glúten da dieta por toda a vida. O paciente deve ser orientado a não ingerir nenhum alimento que contenha trigo, aveia, cevada e centeio.
É importante que se lembre dos alimentos que podem conter glúten “escondido”, como cremes, molhos e até comprimidos.

Apesar de a dieta parecer bastante restritiva, os celíacos podem ingerir todos os tipos de proteínas, verduras, legumes e frutas.



Existem alternativas para a farinha de trigo, como as farinhas de milho, mandioca, arroz e fécula de batata.





Há também receitas alternativas, que utilizam macarrão de arroz ou de milho, além de pão de queijo e de mandioca. Enfim, apesar de necessitar de mais atenção e dedicação no preparo dos alimentos, o paciente celíaco pode ter uma alimentação adequada e bastante variada.



Acompanhamento

A melhora é rápida, com recuperação nutricional e melhora do humor e dos sintomas associados. Isso tende a estimular que pais e crianças, de maneira geral, sigam corretamente a dieta. Caso não haja melhora, deve-se pensar em duas possibilidades: ou o paciente está transgredindo a dieta ou o diagnóstico não é DC. Para monitorar a adesão à dieta, a dosagem de anticorpos é bastante útil, pois a restrição absoluta de glúten ocasiona queda progressiva em seus níveis séricos.

Na adolescência, muitos pacientes se arriscam a comer o glúten para “testar” a resposta. Alguns têm sintomas exacerbados de dor abdominal, flatulência e diarreia, o que os leva a voltar à dieta. Quando, porém, os sintomas são brandos, o adolescente pode seguir transgredindo a dieta e, nesse momento, é importante que o médico ressalte que, apesar de ele não se sentir mal, a transgressão causa lesão no intestino e, em longo prazo, ele apresentará maior possibilidade de complicações graves, como linfoma de intestino, osteoporose e infertilidade.

O acompanhamento de psicólogo, nutricionista ou um grupo de apoio são muito importantes para a aderência e a manutenção da dieta.

Convém ressaltar que o paciente celíaco que segue a dieta tem uma vida completamente normal, sem nenhum tipo de restrição.



Fonte: http://www.fleury.com.br/

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