Com cerca de 90 milhões de novos casos estimados no mundo a cada ano, a infecção genital por Chlamydia trachomatis é a mais frequente doença sexualmente transmissível (DST) de etiologia bacteriana. Enquanto a maioria dos homens infectados exibe sintomas precoces, habitualmente relacionados à uretrite pelo agente, em torno de 75% das mulheres portadoras deC. trachomatis são inicialmente assintomáticas, embora possam evoluir para doença inflamatória pélvica (DIP) em até 40% dos casos. Essa infecção representa de 25% a 60% de todas as causas de DIP, podendo resultar em complicações importantes, como obstrução tubária, infertilidade secundária e gestação ectópica. A gravidade dessas complicações, assim como a possibilidade de transmissão perinatal da bactéria – resultando em conjutivite e/ou pneumonia no recém-nascido –, justifica a necessidade de ferramentas diagnósticas precisas para as infecções por essa espécie de clamídia.
Um estudo realizado pelo Ministério da Saúde com 2.801 pessoas que demandaram atendimento em clínicas especializadas em DST, em seis capitais brasileiras, durante o ano de 2005, constatou uma prevalência global de infecção ativa por C. trachomatis da ordem de 9,0%, utilizando captura híbrida em secreção vaginal, para as mulheres, e PCR em tempo real na urina, para os homens. Na estratificação por sexo, a prevalência foi de 7,3% na população feminina e 13,1% na masculina. Em São Paulo, a taxa global foi de 9,1%. Demonstrou-se uma tendência linear de aumento do risco de infecção de acordo com o número de parcerias sexuais, em ambos os sexos. Por outro lado, não se observou entre os homens aumento de vulnerabilidade relacionado à prática hétero ou homossexual. Nas mulheres, o antecedente de corrimento vaginal ou a presença deste no momento da coleta do exame não representaram incremento do risco de infecção, ao contrário da visualização de secreção mucopurulenta cervical no exame especular, que se revelou um bom preditor de cervicite por clamídia.
A soroprevalência de IgG, entretanto, tem se mostrado bem mais alta em diversos estudos: por volta de 30%, para ambos os sexos, podendo ultrapassar 50% em populações de mulheres com diagnóstico de DIP ou de gravidez ectópica. Isso pode ser explicado pelo fato de que, em média, 45% dos portadores de clamídia eliminam a infecção espontaneamente após um ano, persistindo com sorologia positiva mesmo na ausência da bactéria em exames diretos de material proveniente do trato geniturinário. Conclui-se, dessa maneira, que as técnicas sorológicas – baseadas em imunofluorescência indireta (IFI) ou ensaios imunoenzimáticos (Elisa) – não são as mais adequadas para diagnosticar infecção em atividade e discriminar os casos que requerem tratamento com antimicrobianos. A pesquisa de IgM específica tem limitações técnicas que impedem sua utilização para esse fim (tabela 1).
Tabela 1 - Desempenho das técnicas sorológicas para o diagnóstico de infecção ativa porC. trachomatis
TécnicaTítuloSensibilidadeEspecificidadeVPPVPNIF
16
76
58
26
93
32
73
64
28
92
64
71
74
35
93
128
57
88
48
91
Elisa
Positivo
37-55
77-87
29-45
88-91
Fortemente positivo
46
87
Land, JA. Hum Reprod 18:2621-27,2003
Mesmo os métodos sorológicos quantitativos são limitados para a diferenciação entre infecção ativa e pregressa, visto que não há uma correlação evidente entre títulos elevados, sintomatologia e positividade das pesquisas diretas. Ademais, em meios em que a prevalência é razoável, existe a probabilidade de ocorrência de reinfecções com certa frequência, o que faz com que os títulos variem ao longo do tempo. De modo relativo, títulos de IgG iguais ou superiores a 1/160 podem sugerir infecção recente, enquanto seu aumento em quatro vezes, comparando-se duas amostras colhidas com intervalo de 14 dias, sugere infecção aguda ou reinfecção.
Nesse sentido, é reconhecida a superioridade das técnicas moleculares, com destaque para a PCR em tempo real, que, por sua alta sensibilidade e especificidade para infecção ativa por C. trachomatis, é recomendada para o rastreamento primário dessa doença (tabela 2). Em mulheres, obtém-se sua maior sensibilidade no raspado endocervical – dada a natureza intracelular do agente –, de tal sorte que esse deve ser o material de escolha, em detrimento da secreção vaginal. A realização do teste em urina, no sexo feminino, está indicada apenas se houver sintomas claros de uretrite. Por outro lado, em homens, a sensibilidade do exame no primeiro jato urinário equivale àquela atingida no raspado uretral, que, portanto, não deve ser realizado rotineiramente em nenhum dos sexos, por implicar coleta mais invasiva e desconfortável, sem que represente melhor desempenho do método. Há ainda a vantagem de o DNA da bactéria poder persistir detectável por até sete dias depois do início do tratamento com antibióticos, o que possibilita a confirmação etiológica mesmo após a introdução de terapia empírica.
Tabela 2 - Desempenho das técnicas moleculares para o diagnóstico de infecção ativa
por C. trachomatis
SensibilidadeEspecificidadeVPPVPNBD (DAS)
81,5
100
100
98,2
Gen-Probe (TMA)
100
100
100
100
Roche (PCR)
100
99,3
93,9
100
Masek, BJ. J Clin Microbiology 47 (6): 1663-67, 2009
Fonte: http://www.fleury.com.br/
Diagnóstico de infecção ativa por clamídia por PCR em tempo real
Por: Dr. Jorge Luiz Mello Sampaio, Dr. Celso Granato, Dr. Gustavo Maciel, Dra. Carolina S. Lázari?