Por: Dra. Barbara Gonçalves da Silva e Dra. Fernanda Aimée?Conceito de reação adversa a alimentos
O termo reação adversa a alimentos é utilizado para definir qualquer reação ocorrida após a ingestão de alimentos ou aditivos alimentares. Pode englobar desde a intolerância até a hipersensibilidade, ou alergia alimentar (Sampson, 2003).
A intolerância refere-se a qualquer resposta fisiológica a um alimento ou aditivo e é classificada em quatro tipos principais: toxicidade ou envenenamento, reação farmacológica, como a cefaleia que ocorre pela cafeína ou tiramina, resposta metabólica, como a diarreia em indivíduos com deficiência de lactase, e reações idiossincrásicas (Sampson, 2003).
Já a hipersensibilidade, ou alergia alimentar, diz respeito a reações a alimentos ou aditivos desencadeadas por mecanismos imunológicos, mediados ou não pela IgE. Apresenta um grande espectro de manifestações clínicas, desde quadros leves, com sintomas locais, como a síndrome da alergia oral e urticária de contato, até quadros sistêmicos e fatais, como a anafilaxia.
Dois padrões principais de sensibilização podem estar envolvdos na alergia alimentar: o que ocorre por meio da ingestão do alérgeno, via gastrointestinal, e o que se manifesta secundariamente a alérgenos inalantes, tendo por base um mecanismo imunológico de reatividade cruzada IgE-mediada, em que proteínas inaladas levam à produção de anticorpos da classe IgE com capacidade de reagir a proteínas de alimentos.
Diante da reatividade cruzada
O crescimento da prevalência de sensibilização aos aeroalérgenos tem-se refletido não só no aumento das manifestações alérgicas respiratórias, mas também no dos fenômenos de reatividade cruzada com alérgenos alimentares. São vários os determinantes da relevância clínica da reatividade cruzada: a característica da proteína alergênica, como homologia, solubilidade e estabilidade; fatores associados à exposição ao alérgeno; as proteínas alergênicas amplamente distribuídas na natureza (pan-alérgenos); e a concentração e a afinidade da IgE produzida, entre outros. Da mesma forma, a presença dos determinantes de carboidratos de reação cruzada (cross-reactive carbohydrate determinants, ou CCD) também é importante. Encontrados na maioria das plantas, os CCDs podem levar à produção de IgE, sendo rara a associação com sintomas clínicos (Schmid-Grendelmeier, 2010).
O fenômeno da reatividade cruzada, na alergia alimentar, tem implicações relevantes em termos de diagnóstico e tratamento. Assim, diante de um paciente com esse quadro, é fundamental a identificação do alérgeno suspeito e sua exclusão, bem como a prevenção de reações alérgicas causadas pela ingestão de alimentos com reatividade cruzada, de modo a evitar restrições dietéticas desnecessárias.
A maioria dos extratos usados na prática clínica para avaliação diagnóstica, tanto in vivo (testes cutâneos) como in vitro (IgE específica), corresponde a extratos proteicos complexos, obtidos a partir de fontes alergênicas naturais, o que leva à variabilidade em sua composição e alergenicidade. Dessa maneira, obtém-se informação relativa à fonte alergênica potencial, mas não se identifica a molécula que desencadeia os sintomas, o que só é possível com alérgenos naturais purificados ou alérgenos recombinantes.
Tecnologia molecular no diagnóstico de alergia
Visando a um correto diagnóstico do alérgeno alimentar envolvido e a uma redução das chances de obter resultados falso-positivos e falso-negativos nos exames laboratoriais, especialmente em indivíduos polissensibilizados, tem havido uma preocupação crescente em relação à melhoria dos métodos diagnósticos disponíveis, sobretudo os feitos in vitro.
Nesse sentido, a tecnologia molecular vem permitindo a clonagem e a produção de alérgenos das principais fontes alergênicas, em formas recombinantes, os quais mantêm as propriedades imunológicas das proteínas naturais, com consequente aumento da sensibilidade diagnóstica. Surge, então, o conceito de component-resolved diagnosis (CRD), ou seja, da identificação da molécula ou componente específicos do alérgeno envolvido na sensibilização, o que se tornou recentemente possível graças à tecnologia por biochip e ao desenvolvimento de testes de alergia miniaturizados (microarray).
Os testes de IgE baseados em microarray possibilitam acelerar o diagnóstico, devido à análise simultânea de vários parâmetros; determinar o componente molecular envolvido na sensibilização, e não somente a fonte alergênica; otimizar o diagnóstico de situações particulares, como a alergia alimentar e a alergia ao látex; utilizar uma amostra mínima de soro do doente (20-50 ?L/teste); e ainda adotar medidas profiláticas, quando aplicáveis, em situações de reatividade cruzada; entre outros benefícios.
Imunoensaio com componentes moleculares alergênicos
O ImmunoCAP®Isac (Immuno Solid Phase Allergen Chip) é um teste in vitro que visa a identificar e determinar semiquantitativamente a presença de anticorpos específicos da classe IgE (sIgE) no soro ou no plasma humano para 112 componentes alergênicos, de 51 fontes, simultaneamente (Carvalho et al, 2010).
O exame consiste em um imunoensaio, em que os componentes alergênicos ficam imobilizados em um substrato sólido, na forma de microarray, e são incubados com 20 ?L de soro do paciente para a detecção de anticorpos sIgE. A ligação entre esses anticorpos e os componentes alergênicos é identificada pela adição de um anticorpo anti-IgE, com marcação fluorescente. Com a utilização de um leitor de biochips, consegue-se uma imagem que, por meio da intensidade de fluorescência (valores FI), permite obter o resultado dos testes com a ajuda de um software adequado, o Microarray Image Analysis Software, de acordo com a metodologia do fabricante. Os resultados são expressos em Isac Standardized Units (ISU), com cut-off de positividade de 0,3 ISU (Carvalho et al, 2010). A partir dessa análise, é possível conhecer o painel de sensibilização de IgE do paciente para inúmeros componentes alergênicos e também observar a presença ou não de sensibilização para alérgenos de reatividade cruzada (Santos et al, 2010).
A validade desse teste múltiplo como screening depende de sua indicação adequada. Numa população sintomática, um resultado positivo aumenta a probabilidade de o paciente ser alérgico. Entretanto, quando o multiplex é utilizado em indivíduos não selecionados, pode haver resultados falso-negativos e falso-positivos. Desse modo, não é recomendável que o exame seja utilizado como “triagem”, sem uma indicação clínica específica (Bernstein et al, 2008).
Quando bem indicado, o ImmunoCAP®Isac tem muitas vantagens, tais como simplicidade, necessidade de mínimo volume de sangue e utilização de grande parte dos alérgenos relevantes, com capacidade de identificar CRDs, alérgenos de reação cruzada e alérgenos raros, potencialmente anafiláticos, além de eliminação dos CCDs (Ferrer et al, 2009; Schmid-Grendelmeier, 2010). Contudo, sua principal desvantagem ainda é o custo.
Na prática, o novo exame é recomendado especialmente em casos de suspeita de múltiplas sensibilizações e/ou possibilidade de sintomas desencadeados por reações cruzadas entre alérgenos, dermatite atópica, anafilaxia idiopática e ausência de resposta à exclusão de um alimento sabidamente implicado na alergia do paciente. No entanto, não substitui a história clínica, o teste cutâneo, a dosagem de IgE específica para um componente/painel ou a provocação oral, mas complementa a investigação do paciente (Schmid-Grendelmeier, 2010). Por outro lado, não há indicação na realização desse teste em indivíduos monossensibilizados.
Fonte: http://www.fleury.com.br/
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