A síndrome mielodisplásica (SMD) constitui um grupo heterogêneo de doenças hematopoéticas que acomete preferencialmente indivíduos idosos. Alguns pacientes evoluem com citopenias enquanto outros progridem para leucemia aguda.
O estudo das alterações cromossômicas auxilia no diagnóstico, como também evidencia aspectos importantes da biologia da doença, que se refletem no prognóstico e na evolução do paciente.
O estudo das alterações cromossômicas em pacientes com suspeita de SMD deve ser feito em material aspirado de medula óssea 1,2. Analisam-se 20 metáfases coradas pela banda G e o resultado final é expresso de acordo com a nomenclatura estabelecida (ISCN,2009) 3.
Há casos de SMD nos quais não se detecta alteração pelo estudo convencional por banda G, mas por meio do uso de sonda de hibridação in situ por fluorescência (FISH). De fato, clones pequenos são mais bem detectados por citogenética molecular (FISH) 4,5.
As alterações cromossômicas são observadas pelo cariótipo em 30 a 50% dos casos de SMD primária ao diagnóstico, e entre 80 e 90% das secundárias, ou seja, relacionadas à terapia, em especial, após exposição à radiação, a agentes alquilantes e a inibidores de topoisomerase.
Com o uso de FISH pode-se ampliar a taxa de detecção dessas alterações, em especial nos casos com cariótipo normal ou com insucesso na análise4 por esse método. Habitualmente, tem-se usado um conjunto de sondas que englobam as seguintes regiões: 5/5q, 7/7q, 9p, 11q23, t(8;21), 20q, 10, 17 e Chic2 , de tal sorte que as anomalias mais representativas estão contempladas no teste.
As aberrações cromossômicas em SMD são clonais, não ocorrem ao acaso e constituem-se, em geral, na perda de material genético, o que sugere a inativação de genes supressores tumorais (ou sua haploinsuficiência) necessários para o desenvolvimento de células mielóides normais. Não se sabe se as alterações cromossômicas detectadas em SMD são eventos iniciais que levam ao desenvolvimento da doença (causa) ou se são apenas fenômenos secundários (conseqüência). De qualquer forma elas apontam que, em nível molecular, há uma série de aspectos ainda por serem entendidos.
As alterações cromossômicas mais freqüentes em SMD envolvem os cromossomos: 5, 7, 8, 11, 13, 17, 20, 21 e X. Estão presentes em 25% das anemias refratárias (AR), em 10% das anemia refratárias com sideroblastos em anel (ARSA), 50% das citopenias refratárias com displasia de múltiplas linhagens (CRDM), em 30-50% das anemias refratárias com excesso de blastos (AREB) e em 100% das Síndromes 5q-, que, aliás, necessitam da identificação desta alteração isolada para serem assim consideradas.
A deleção 5q ocorre tanto isolada (prognóstico favorável) como associada a outras aberrações (prognóstico desfavorável). A região mais acometida estende-se desde q13 a q31. Dentre os vários genes que podem estar alterados - como SPARC, EGR1, CTNNA1 e NPM1 - a deleção ou expressão reduzida de RPS14 tem sido destacada recentemente6.
A deleção 20q confere prognóstico favorável e os genes, envolvidos na patogênese da doença e perdidos nessa deleção, não foram ainda identificados.
A deleção 7q também tem sido amplamente investigada, com intuito de caracterizar os genes importantes na fisiopatologia da doença. Dessa forma, recentemente, percebeu-se que, se a expressão de determinados micro RNAs estiver perdida ou reduzida pela anomalia cromossômica, o efeito da deleção pode estar amplificado6.
No tocante ao prognóstico da doença, as alterações cromossômicas devem ser investigadas não apenas ao diagnóstico, mas também subsequentemente, no acompanhamento evolutivo.
Como, além do cariótipo, outras variáveis também têm valor prognóstico, o sistema de escore International Prognostic Scoring System (IPSS)7, leva em conta o cariótipo, o número de citopenias e a porcentagem de blastos na medula óssea para separar os pacientes em grupos, com comportamentos evolutivos diferentes. Três categorias citogenéticas foram estabelecidas nesse escore: a de bom prognóstico, que inclui o cariótipo normal, a nulissomia Y, a deleção 5q e a deleção 20q, quando encontradas isoladamente; a de prognóstico desfavorável, com os cariótipos complexos (com mais de três anormalidades) e as alterações do cromossomo 7, tanto deleção como monossomia; e a de prognóstico intermediário, na qual foram alocadas todas as demais anomalias não encaixadas acima.
A associação do IPSS com a classificação das mielodisplasias, da OMS8 ( Organização Mundial de Saúde ), resultou no chamado WPSS, com valor prognóstico já demonstrado. O WPSS permite a observação de diferenças na mediana de sobrevida nos cinco grupos de risco e na probabilidade de transformação em leucemia, melhorando a capacidade de estratificação dos pacientes e revelando-se uma ferramenta útil para a decisão terapêutica9.
Solé e colaboradores10 redefiniram algumas alterações citogenéticas e propuseram quatro categorias: a de bom prognóstico, incluindo cariótipo normal, nulissomia Y, del(5q), del(12p), del(11q) e del(20q) isoladas; a de prognóstico intermediário: trissomia 8, rearranjos envolvendo 3q21q26, translocações 11q, del(17p), trissomia 18 e trissomia 19; e a de prognóstico desfavorável: cariótipo complexo, monossomia 7, del(7q) e i(17q); e a de prognóstico desconhecido: as demais alterações simples ou não.
Assim, grosso modo, distinguem-se quatro grandes grupos: cariótipo normal, com perdas isoladas, com translocações balanceadas e cariótipos complexos (com três ou mais anomalias).
O primeiro grupo responde por praticamente metade dos casos de SMD primária ao diagnóstico, e esconde, atrás da não detecção de anormalidade, uma série de alterações moleculares. Impõe-se, nesses casos de resultado citogenético normal, a repetição periódica e subseqüente do cariótipo, já que alterações não evidenciadas na amostra original podem ser detectadas evolutivamente e com a realização de FISH com painel de sondas que abranja as principais alterações de valor prognóstico, como 5/5q-, 7/7q-, +8, 11q23, 20q e 17.
O grupo com deleções ou monossomias retrata o fenômeno mais freqüente em SMD, que é a perda isolada de material genômico, responsável pela inativação dos genes supressores tumorais. O conjunto com alterações balanceadas, ainda que bem menos freqüente em SMD, aponta lesões restritas, que, provavelmente, têm função na gênese da doença e podem ser decifradas molecularmente, suscitando alternativas terapêuticas que têm como alvo oncogenes específicos. O último grupo denuncia um acúmulo das alterações com maior agressividade, associando-se a prognóstico extremamente desfavorável e com elevada propensão à transformação em leucemia aguda, em curto espaço de tempo.
As alterações cromossômicas correlacionam-se com o curso clínico da doença e com sua transformação numa entidade mais agressiva6,11,12. Daí a importância do estudo citogenético no acompanhamento evolutivo da SMD, pois cerca de 30% dos pacientes desenvolvem alterações adicionais com o passar do tempo. Dos casos com cariótipo normal ao diagnóstico, 12% adquirem anomalias subsequentemente e, em conseqüência, demonstram pior evolução que aqueles que permanecem com o cariótipo imutável.
No tocante ao tratamento, graças às novas opções terapêuticas disponíveis, pacientes com determinadas alterações cromossômicas obtém melhor resposta que outros e, por isso, devem ser alocados em protocolos específicos. Portadores de 5q- podem responder à talidomida ou à lenalidomida, tornado-se independentes de transfusões de hemocomponentes, ou mesmo alcançando resposta citogenética completa13. Pacientes com -7/del(7q) apresentam maior chance de resposta hematológica ou mesmo resposta citogenética, ainda que parcial, com agentes hipometilantes.
Em resumo, o cariótipo e a FISH em SMD são importantes no diagnóstico, prognóstico, classificação, acompanhamento evolutivo, escolha terapêutica e melhor entendimento da biologia da doença. As alterações observadas apontam que em nível molecular há uma série de aspectos ainda por serem entendidos.
Fonte: http://www.fleury.com.br/
Cariótipo e FISH em síndrome mielodisplásica
Por: Dra. Maria de Lourdes L. F. Chauffaille