Por: Dr. Carlos Eduardo Rochitte????A ressonância magnética (RM) é um método diagnóstico que produz imagens de alta qualidade e excelente resolução espacial. Além disso, pode diferenciar características específicas dos tecidos biológicos, através da maior ou menor quantidade de água, gordura ou da distribuição de um contraste de RM em um determinado tecido.
A RM cardíaca (RMC) utiliza a capacidade de caracterização tecidual, alta resolução espacial e, mais recentemente, a maior resolução temporal (obtida com o desenvolvimento de novas sequências de pulsos ultrarrápidas e a adaptação do hardware para o exame cardiológico) para fornecer informações adicionais de valor crucial para a decisão terapêutica na rotina cardiológica. Em algumas áreas diagnósticas dentro da cardiologia, como é o caso da doença arterial coronariana, a RMC tem-se destacado por uma evolução rápida e contínua na detecção e quantificação da isquemia miocárdica e da viabilidade miocárdica e na visualização das artérias coronárias e seus enxertos. Também as aplicações clássicas da RMC na definição da anatomia cardíaca e função ventriculares ganharam avanços tecnológicos recentes (novas sequências de pulso), que melhoraram em muito a qualidade de imagem e definição das informações.
A anatomia cardíaca, vascular e pericárdica utiliza técnica de fast-spin-eco com duplo pulso de inversão-recuperação (double-IR), o que permite imagem com sangue escuro (black-blood), que ainda pode ser usada com e sem saturação de gordura (figura 1). Essa técnica possibilita avaliação anatômica detalhada das câmaras cardíacas, pericárdio e valvas em casos de pericardiopatias, doenças congênitas, displasia arritmogênica de ventrículo direito, doenças de depósito, tumores e massas cardíacas e paracardíacas e outros quadros clínicos em que a definição antômica deve ser precisa1.
Figura 1. Imagem do eixo curto do VE com técnica de anatomia e sem sinal do sangue (black-blood). Observe a riqueza de detalhes anatômicos e alta resolução espacial da técnica.
A função ventricular é avaliada através da cinerressonância com técnica de gradiente em estado de equilíbrio, que gera imagens com grande contraste entre cavidade sanguínea e miocárdio (figura 2, filmes 1 e 2 )2. Essa técnica tem permitido a quantificação dos volumes, fração de ejeção e massa dos ventrículos esquerdo e direito com grande precisão3, além da visualização dinâmica de fluxos turbulentos e valvas cardíacas. Sua indicação envolve toda a gama de doenças cardíacas em que o desempenho cardíaco deva ser analisado com precisão, em especial os casos em que o seguimento ao longo do tempo exige alta reprodutibilidade.
Figura 2. Imagem mostrando o eixo curto (linha superior) e o eixo longo (linha inferior) do VE no fim da diástole (esquerda) e sístole (direita), extraídos de uma sequência de cine-RM com 20 fases cardíacas. Observe a nitidez das bordas endocárdicas entre a cavidade sanguínea e o miocárdio, permitindo análise precisa da função ventricular.
A isquemia miocárdica tem sido investigada pela RMC através de dois tipos de estudos: o que avalia a perfusão miocárdica durante estresse com vasodilatadores (adenosina ou dipiridamol)4 e o que avalia a contratilidade miocárdica local e regional durante estresse com dobutamina5,6.
Na avaliação da perfusão miocárdica, injeta-se um contraste de RM (gadolínio) durante a aquisição de imagens ultrarrápidas (uma a cada 100 milésimos do segundo) e observa-se a distribuição do gadolínio e, portanto, do sangue através do miocárdio. Regiões com retardo na chegada do contraste são identificadas como defeitos de perfusão (figura 3, filme 3), que têm mostrado não apenas grande concordância com outros métodos clássicos (medicina nuclear e PET), como também valor prognóstico. A vantagem da RMC aqui seria a possibilidade de quantificar em detalhe a extensão e transmuralidade do defeito, o que pode ter implicações clínicas importantes7.
Figura 3. Imagem de eixo curto do VE mostrando a técnica de primeira passagem na fase pré-perfusão do miocárdio (esquerda) e na fase de perfusão miocárdica máxima durante estresse com dipiridamol (direita). Obseve o defeito perfusional (mais escuro) no segmento lateral do VE (entre as setas verdes), quando comparado aos segmentos septais, anterior e inferior, devido ao retardo da chegada do gadolínio naquela região. Esse defeito perfusional durante vasodilatação máxima (estresse com dipiridamol) é compatível com isquemia miocárdica.
Na avaliação da contratilidade miocárdica durante estresse, a RMC pode identificar paredes do ventrículo esquerdo que falham em aumentar ou mesmo pioram sua contratilidade durante pico de estresse com dobutamina. Essas alterações são compatíveis com isquemia miocárdica, usualmente causada por obstrução importante de uma artéria coronária. Essa técnica também pode detectar paredes ventriculares acinéticas que melhoram a contratilidade durante baixa dose de dobutamina, o que identifica viabilidade miocárdica naquela região. A vantagem da RMC com esse método, que é realizado classicamente pela ecocardiografia, é a alta qualidade da imagem e a perfeita localização espacial dos cortes do coração nas diferentes fases do estudo. Ainda mais importante é a associação da técnica de marcadores teciduais (myocardial tagging), que permitem a avaliação objetiva e quantificada (e não apenas subjetiva) da contratilidade regional, e mesmo local, em diferentes camadas transmurais (subendocárdio, subepicárdio e região média da parede ventricular esquerda).
A avaliação da viabilidade miocárdica por RMC tem alcançado grande impacto recente na literatura. Essa técnica, chamada entre nós de realce tardio (RT), do inglês delayed enhancement ou late enhancement, baseia-se nas características de distribuição do gadolínio em diferentes tecidos, como o miocárdio normal, infartado recente e fibrótico (infarto antigo)8. O gadolínio se distribui nos espaços extracelulares. O miocárdio normal tem menos espaço extracelular que o infarto e a fibrose. Assim, regiões miocárdicas infartadas e fibróticas aparecem claras devido à maior distribuição do contraste nessas regiões (figura 4). As imagens dessa técnica delineiam as áreas não viáveis do coração (fibrose e infarto) de forma precisa e com resolução sem precedente. Permitem ainda, e de forma exclusiva, a definição da transmuralidade, que se correlaciona diretamente com a probabilidade de recuperação contrátil das regiões infartadas (figura 4).9 Regiões de no-reflow ou, mais precisamente, de obstrução microvascular podem aparecer como áreas escuras no interior do infarto, reafirmando a não viabilidade daquela região miocárdica e informando mais um dado prognóstico para o paciente. Essa técnica caminha seriamente para uma futura posição de padrão-ouro na detecção de viabilidade miocárdica e mostrou-se tão ou mais acurada que a PET na detecção de áreas não viáveis do miocárdio. Trabalhos recentes demonstraram a capacidade da RMC-RT de detectar infartos pequenos e silenciosos, que são perdidos pela medicina nuclear, assim como a importância prognóstica para o paciente da detecção desses microinfartos10. Além disso, a RMC-RT pode prever a recuperação regional e global da função ventricular esquerda após revascularização miocárdica 9 . A utilização do RT tem, recentemente, se estendido para outras patologias que lesam irreversivelmente o miocárdio, como miocardites, doença de Chagas, doenças de depósito, etc.
Figura 4. Imagem de eixo curto do VE de dois pacientes diferentes com a técnica de realce tardio para avaliação da viabilidade miocárdica. No painel A, nota-se um infarto inferior subendocárdico (entre as setas verdes) e observa-se a preservação de miocárdio (escuro, sem realce tardio) no mesocárdio e epicárdio da mesma parede inferior. Essa parede, se revascularizada, deverá recuperar sua função contrátil segmentar. No painel B, nota-se um infarto envolvendo os segmentos apicais do VE (anteroapical, septapical e inferoapical, poupando apenas o lateroapical) de forma transmural, isto é, mesocárdio e subepicárdio apresentam realce tardio (apenas pequena linha subepicárdica de miocárdio preservado, escuro, pode ser identificada). Esses segmentos, mesmo que revascularizados, não recuperarão sua função contrátil. Assim, com esses dois padrões, a técnica de realce tardio pode prever a recuperação contrátil regional e global do VE pré-revascularização, auxiliando a decisão terapêutica de revascularização. Tal fato tem sido comprovado repetidas vezes nos trabalhos recentes da literatura (vide bibliografia).
O exame é simples, não invasivo, rápido (20 minutos), não utiliza estresse farmacológico e não utiliza nenhum tipo de material radioativo. O contraste de RM tem-se mostrado totalmente inócuo, não lesando nenhuma função orgânica. A avaliação de viabilidade miocárdica pela RMC-RT já vem sendo requisitada rotineiramente por grupos cardiológicos clínicos e cirúrgicos de várias instituições de ponta do Brasil (InCor-HC-FMUSP) e do exterior (Johns Hopkins University e Duke University, entre outras) e tem alcançado grande sucesso pela facilidade com que é realizado o exame e pela enorme quantidade de informações que pode fornecer. No nosso país, essa técnica de estudo se encontra disponível apenas em poucos centros.
A visualização das artérias coronárias e seus enxertos é um objetivo futuro da maior importância para a RMC e para a clínica cardiológica. A possibilidade de detectar e quantificar lesões coronarianas, de calcular seu fluxo e reserva coronariana e ainda caracterizar os componentes da lesão obstrutiva (centro lipídico, placa fibrosa e hemorragia intraplaca) tem valor inestimável e promete revolucionar a cardiologia em futuro não tão distante. No entanto, esse objetivo ainda não foi alcançado plenamente. A visualização das artérias coronárias utiliza-se de diversas técnicas específicas e complexas e demanda grande experiência do operador. O tempo do estudo é prolongado, uma hora ou mais, e em aproximadamente 80% dos casos é possível identificar as porções iniciais das artérias coronárias direita, descendente anterior e circunflexa. A quantificação das lesões é também tecnicamente difícil. Ainda assim, em casos específicos, como coronárias anômalas e acompanhamento de lesões coronarianas específicas, a RMC pode ser uma alternativa possível.
Em conclusão, a RM cardíaca (RMC) vem contribuindo na avaliação diagnóstica em cardiologia através da sua acurácia e qualidade de imagem. A doença arterial coronariana constitui-se num dos focos prioritários desta nova tecnologia devido à sua óbvia importância na sociedade moderna e à necessidade de métodos não invasivos mais precisos, tanto na investigação clínica diagnóstica como prognóstica. Especificamente na avaliação da doença arterial coronariana, a RMC poderá, em futuro próximo, se constituir numa abordagem em que vários aspectos da doença serão avaliados em um único estudo: anatomia, função e massa ventricular, isquemia e viabilidade miocárdicas e detecção, quantificação e caracterização das lesões ateroscleróticas coronarianas. Essa integração resultaria, em futuro próximo, em excelente qualidade dos dados obtidos em um único exame, com grande reprodutibilidade e potencial para seguimento preciso das alterações cardíacas, assim como em redução significativa do custo e do tempo gastos por exames complementares na avaliação do paciente.
Resumimos abaixo as indicações mais frequentes de RM cardíaca na atualidade:
1. Doença Arterial Coronariana
a.Detecção da viabilidade miocárdica (técnica de realce tardio, não invasiva e sem estresse)
- Pré-revascularização miocárdica (cirurgia ou angioplastia) para prognosticar a melhora contrátil segmentar e global
- Pós-infarto do miocárdio para avaliação da massa infartada e prognóstico da recuperação contrátil
- Pós-angioplastia primária para avaliação do salvamento miocárdico
- Detecção de infartos pequenos e microinfartos não detectáveis por outros métodos (ecocardiograma de estresse e medicina nuclear), em geral menores que 15% da massa do VE
- Quantificação da massa infartada do VE (como % da massa do VE ou em gramas de tecido infartado)
- Diagnóstico de infarto miocárdico suspeito (agudo ou crônico) não confirmado por outras técnicas, incluindo infarto perioperatório
b.Detecção da isquemia miocárdica (perfusão miocárdica com dipiridamol)
- Avaliação do significado funcional de estenose coronariana
- Diagnóstico não invasivo de doença arterial coronariana significativa
- Avaliação da etiologia de disfunção contrátil de VE
c.Visualização da anatomia da circulação coronariana (utilização limitada e experimental)
- Visualização e avaliação da patência de enxertos (mamários e de safena)
- Visualização das artérias coronárias nativas
- Detecção e caracterização das placas ateroscleróticas coronarianas
- Detecção do fluxo coronariano em repouso e estresse e quantificação da reserva coronariana
2. Displasia arritmogênica do ventrículo direito
a.Avaliação funcional do VD detalhada, regional e global
b.Caracterização tecidual da parede do VD (fibrose e/ou gordura)
3. Doenças pericárdicas
a.Avaliação de espessamento e irregularidades do pericárdio
b.Detecção e quantificação de derrames e cistos pericárdicos
c.Diagnóstico diferencial de doenças constritivas de restritivas
4. Massas cardíacas e pericardíacas
a.Definição anatômica e caracterização tecidual de massas intra e pericardíacas
b.Diagnóstico diferencial entre tumor e trombo intracavitários
5. Diagnóstico e avaliação das cardiomiopatias hipertróficas (primárias e secundárias)
a.Quantificação da hipertrofia do VE (HVE)
b.Definição das características da HVE (concêntrica, assimétrica, etc)
c.Detecção de fibrose miocárdica associada à HVE
6. Doenças congênitas simples e complexas
a.Definição anatômica detalhada e precisa e correlações entre as estruturas
b.Avaliação, visualização e quantificação de fluxos anormais e shunts
7. Doenças associadas a lesão miocárdica (diagnóstico pela técnica de realce tardio)
a.Miocardites (agudas e subagudas)
b.Miocardiopatia pós-parto
c.Miocardiopatia chagásica
8. Doenças valvares
a.Avaliação do VE nas valvopatias
b.Visualização de jatos de fluxo turbulento de ejeção (estenoses) e regurgitação (insuficiências)
c.Quantificação das disfunções valvares
d.Visualização dos folhetos valvares e suas características
e.Detecção da fibrose miocárdica associada a valvopatias
9. Miscelânea
a.Miocárdio não compactado
b.Doenças de depósito (amiloidose, etc)
c.Sarcoidose
d.Miocardiopatias idiopáticas
e.Dúvidas diagnósticas de outros métodos
Fonte: http://www.fleury.com.br/
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